A estrutura dos direitos econômicos, sociais e culturais e as possíveis estratégias judiciais**
Quem defende a tese de um “defeito de origem” nos direitos econômicos, sociais e culturais enquanto direitos demandáveis acredita que o cerne da impossibilidade de se conseguir sua exigibilidade está em sua própria natureza. Os argumentos usados pelos opositores da aplicação judicial dos direitos econômicos, sociais e culturais se baseiam na diferença entre a natureza desses direitos e a natureza dos direitos civis e políticos.
Um dos aspectos sempre reiterados para sustentar a pretensa distinção dos direitos civis e políticos em relação aos econômicos, sociais e culturais é o suposto caráter de obrigatoriedade negativa do primeiro gênero de direitos, enquanto os direitos econômicos, sociais e culturais implicariam o nascimento de obrigações positivas que, na maioria dos casos, deveriam ser liquidadas com recursos do erário público.1 De acordo com essa posição, as obrigações negativas se esgotariam em um “não fazer” por parte do Estado: não deter arbitrariamente as pessoas, não aplicar penas sem julgamento prévio, não restringir a liberdade de expressão, não violar a correspondência nem os papéis privados, não interferir na propriedade privada etc. A estrutura dos direitos econômicos, sociais e culturais se caracterizaria, ao contrário, por obrigar o Estado a fazer, ou seja, a prestar atendimento positivo: fornecer serviços de saúde, assegurar a educação, preservar o patrimônio cultural e artístico da comunidade.
No primeiro caso, bastaria limitar a atividade do Estado, proibindo sua atuação em algumas áreas. No segundo, o Estado deveria necessariamente alocar recursos para prestar os serviços exigidos, de forma positiva.2 Essas distinções têm como base uma visão distorcida e “naturalista” do papel e do funcionamento da máquina estatal, que coincide com a posição de um Estado mínimo, responsável por garantir apenas justiça, segurança e defesa.3 Entretanto, até para os pensadores mais típicos da economia política clássica, como Adam Smith e David Ricardo, era mais do que óbvia a inter-relação entre as supostas “obrigações negativas” do Estado – em especial quanto à garantia da liberdade de comércio – e uma longa série de obrigações positivas vinculadas à manutenção das instituições políticas, judiciais, de segurança e defesa, condição necessária para o exercício da liberdade individual.
Smith, por exemplo, atribui ao Estado um papel ativo na criação das condições institucionais e legais para a expansão do mercado.4 O mesmo cabe assinalar com relação a muitos outros direitos “civis e políticos” – tal como o devido processo legal, o acesso à justiça, a formação de associações e o direito de eleger e ser eleito – que implicam a criação de condições institucionais correspondentes por parte do Estado (existência e manutenção de tribunais; estabelecimento de normas e registros que tornem juridicamente relevante a atuação coletiva de um grupo de pessoas; convocação de eleições; organização de um sistema de partidos políticos etc.).5
Mesmo certos direitos que parecem se ajustar com mais facilidade à caracterização de “obrigação negativa”, ou seja, que requerem uma limitação na atividade do Estado a fim de não interferir na liberdade dos cidadãos – por exemplo, a proibição de detenção arbitrária, de censura prévia à imprensa ou de violação à correspondência e aos papéis privados –, acarretam intensa atividade estatal para evitar que agentes do próprio Estado, ou particulares, interfiram nessa liberdade, de tal modo que a contrapartida pelo exercício desses direitos passa a ser o cumprimento de funções de polícia, segurança, defesa e justiça por parte do Estado. Evidentemente, o cumprimento dessas funções implica obrigações positivas, caracterizadas pela alocação de recursos, não bastando a mera abstenção do Estado.6
Em síntese, a estrutura dos direitos civis e políticos pode ser caracterizada como um complexo de obrigações negativas e positivas do Estado: obrigação de abster-se de atuar em certos âmbitos e de realizar uma série de funções, para garantir o gozo da autonomia individual e impedir que seja prejudicada por outros cidadãos. Dada a coincidência histórica dessa série de funções positivas com a definição do Estado liberal moderno, a caracterização dos direitos civis e políticos tende a tornar “natural” essa atividade estatal e enfatizar os limites de sua atuação.
Sob essa perspectiva, os direitos civis e políticos se distinguem dos direitos econômicos, sociais e culturais mais em uma questão de grau do que em aspectos substanciais.7 Pode-se reconhecer que a faceta mais visível dos direitos econômicos, sociais e culturais sejam as obrigações de fazer, e é por isso que às vezes são denominados “direitos-prestação”.8 Contudo, não é difícil descobrir, quando se observa a estrutura desses direitos, a existência concomitante de obrigações de não fazer: o direito à saúde compreende a obrigação estatal de não prejudicar a saúde; o direito à educação pressupõe a obrigação de não piorar a educação; o direito à preservação do patrimônio cultural implica a obrigação de não destruir esse patrimônio.
É por essa razão que muitas das ações legais tendentes à aplicação judicial dos direitos econômicos, sociais e culturais são direcionadas para a correção da atividade estatal, quando esta deixa de cumprir obrigações de não fazer. Em suma, os direitos econômicos, sociais e culturais também podem ser caracterizados como um complexo de obrigações positivas e negativas do Estado, embora nesse caso as obrigações positivas se revistam de maior importância simbólica para identificá-los. Assim, por exemplo, Contreras Peláez, ao perceber a impossibilidade de uma distinção taxativa entre ambos os tipos de direito, afirma que para “os direitos sociais […] a prestação estatal representa verdadeiramente a substância, o núcleo, o conteúdo essencial do direito; em casos como o direito à assistência gratuita para a saúde ou a educação, a intervenção estatal acontece todas as vezes que o direito é exercido; a não-prestação desse serviço pelo Estado pressupõe automaticamente a denegação do direito”.9
É ainda possível mostrar outro tipo de problema conceitual que dificulta a distinção radical entre direitos civis e políticos, por um lado, e direitos econômicos, sociais e culturais, por outro, ressaltando as limitações dessas diferenciações e reafirmando a necessidade de um tratamento teórico e prático comum em relação a tudo que é substancial. A concepção teórica – e inclusive a regulamentação jurídica concreta de vários direitos tradicionalmente considerados “direitos de autonomia”, que geram obrigações negativas por parte do Estado – tem variado de tal modo que alguns dos direitos classicamente considerados “civis e políticos” adquiriram um indubitável aspecto social. A perda do caráter absoluto do direito de propriedade com base no interesse público é o exemplo mais cabal a respeito, ainda que não seja o único.10 As tendências atuais do direito de danos de responsabilidade civil atribuem um lugar central à distribuição social de riscos e benefícios como critério para determinar a obrigação de reparar.
O impetuoso surgimento de um direito do consumo transformou de modo substancial os vínculos contratuais, quando há consumidores e usuários participando da relação.11 A consideração tradicional da liberdade de expressão e de imprensa adquiriu dimensões sociais que ganham força pela formulação da liberdade de informação como um direito de todo membro da sociedade – que compreende, em certas circunstâncias, a obrigação positiva de produzir informação pública. As liberdades de empresa e de comércio são restringidas quando seu objeto ou seu desenvolvimento acarreta um impacto sobre a saúde ou o meio ambiente.12 Em suma, muitos direitos que por tradição estão incluídos no catálogo de direitos civis e políticos foram reinterpretados do ponto de vista social, de modo que as distinções absolutas também não têm razão de ser em tais casos.13 Nesse sentido, a jurisprudência dos órgãos de proteção internacional de direitos humanos e, em especial, a Corte Européia de Direitos Humanos (CEDH), estabeleceu a obrigação positiva dos Estados de: remover os obstáculos sociais que impossibilitam o acesso à jurisdição; tomar medidas apropriadas para evitar que alterações ambientais cheguem a constituir uma violação do direito à vida privada e familiar;14 e desenvolver ações afirmativas para impedir riscos previsíveis e evitáveis que afetem o direito à vida.15
Dada a interdependência dos direitos civis e políticos com os direitos econômicos, sociais e culturais, em muitos casos as violações dos primeiros afetam também os segundos, e vice-versa. A contundente diferenciação entre ambas as categorias costuma desvanecer quando se procura identificar a violação dos direitos em casos concretos. Muitas vezes, o interesse tutelado por um direito civil cobre também o interesse tutelado pela definição de um direito social. O limite entre uma categoria e outra é certamente tênue. Quando não existem mecanismos diretos de tutela judicial dos direitos econômicos, sociais e culturais no direito interno dos Estados, ou no sistema internacional de proteção aos direitos humanos, uma estratégia indireta consiste em reformular as obrigações sujeitas à justiça do Estado em matéria de direitos civis e políticos, de modo a discutir a violação por essa via. Tal encaminhamento é de suma importância em países como, por exemplo, Espanha e Chile, onde a tutela jurisdicional, por meio de ações como a de amparo, se restringiu a um catálogo fechado de direitos denominados “fundamentais”, que em geral coincidem com os da lista clássica de direitos civis. Assim, fica possível ter acesso à tutela jurisdicional em situações de flagrante violação de um direito social. Nesse sentido, é de suma utilidade consultar o mecanismo de tutela de direitos sociais conexos com direitos fundamentais na jurisprudência da Corte Constitucional colombiana, como exemplo de uma modalidade de proteção indireta dos direitos sociais a partir de sua íntima relação com um direito civil ou político.16
O uso do direito à vida para proteger interesses amparados por direitos sociais é outra estratégia de proteção indireta de direitos econômicos, sociais e culturais, adotada no nível doméstico, mas que poderia ser aplicada também aos mecanismos de proteção internacional de direitos humanos. No sistema europeu, o direito à vida tem sido utilizado como forma de proteger interesses vinculados ao direito à saúde e de exigir, do Estado, obrigações positivas de proteção. No caso L. C. B. vs Reino Unido, o CEDH afirmou que o primeiro parágrafo do Artigo 2o da Convenção obriga os Estados não só a se abster de retirar a vida de alguém, intencional e ilegalmente, mas também a adotar medidas apropriadas para garantir a vida. No caso em questão, discutia-se o alcance do dever do Estado de fornecer informação adequada à requerente sobre as circunstâncias que poderiam ter minimizado ou evitado a doença de que sofria.
Também foi explorada, como estratégia de exigibilidade indireta de reivindicação de direitos sociais, a íntima relação entre a escolha de um modo de vida individual e o aproveitamento de bens culturais que identificam, por exemplo, uma determinada minoria, ou um povo indígena. Nesse sentido, o direito de autonomia – ou o direito de estabelecer um projeto de vida de forma autônoma – se aproxima do direito social de participar de certas práticas ou bens culturais. Argumentou-se, por isso, que o projeto de vida de cada membro dessa coletividade depende profundamente do desfrute de bens culturais – língua, religião, terra ancestral e práticas econômicas tradicionais – dos povos indígenas.17
Poderia então ser dito que a adscrição de um direito ao catálogo de direitos civis e políticos, ou ao de direitos econômicos, sociais e culturais, tem um valor heurístico, ordenador, classificatório; no entanto, uma conceitualização mais rigorosa levaria a admitir um continuum de direitos, no qual o espaço de cada direito estaria determinado pelo peso simbólico do componente de obrigações positivas ou negativas nele delineadas. Por esse raciocínio, alguns direitos, claramente passíveis de serem caracterizados segundo obrigações negativas do Estado, ficam enquadrados no horizonte dos direitos civis e políticos – caso, por exemplo, da liberdade de pensamento ou da liberdade de expressão sem censura prévia. No outro extremo, alguns direitos que em sua essência se caracterizam por obrigações positivas do Estado estarão contidos no catálogo de direitos econômicos, sociais e culturais – por exemplo, o direito à moradia.18 No espaço intermediário entre esses dois extremos há um espectro de direitos que conjugam uma combinação de obrigações positivas e negativas, em graus diversos: identificar se um deles está na categoria dos civis e políticos, ou no grupo dos econômicos, sociais e culturais resulta de uma decisão convencional, mais ou menos arbitrária.
Na mesma linha do que já foi dito, autores como van Hoof ou Asbjorn Eide propõem um esquema interpretativo que consiste em assinalar “níveis” de obrigações estatais que caracterizariam o complexo identificador de cada direito, independentemente de atribuí-lo ao conjunto de direitos civis e políticos ou ao de direitos econômicos, sociais e culturais. De acordo com a proposta de van Hoof,19 por exemplo, seria possível discernir quatro “níveis”: obrigações de respeitar, de proteger, de garantir e de promover o direito em questão. As obrigações de respeitar se definem pelo dever do Estado de não interferir nem obstaculizar ou impedir o acesso ao desfrute dos bens que constituem o objeto do direito. As obrigações de proteger consistem em evitar que terceiros interfiram, obstaculizem ou impeçam o acesso a esses bens. As obrigações de garantir pressupõem assegurar que o titular do direito tenha acesso ao bem quando não puder fazê-lo por si mesmo. As obrigações de promover se caracterizam pelo dever de criar condições para que os titulares do direito tenham acesso ao bem.
Como se pode ver, o raciocínio de “níveis” de obrigações é perfeitamente aplicável a todo o espectro de direitos, sejam eles classificados como direitos civis e políticos ou como direitos econômicos, sociais e culturais. Boa parte do trabalho dos organismos de direitos humanos e dos órgãos internacionais de aplicação das normas internacionais de direitos humanos em matéria de direito à vida e direito à integridade física e psíquica (e as correspondentes proibições de morte e tortura) – em geral classificados como civis e políticos – consiste em reforçar os aspectos vinculados às obrigações de proteger e satisfazer esses direitos. Diversas medidas são utilizadas para isso, como: a investigação das práticas estatais violadoras; o julgamento ou o estabelecimento de responsabilidades civis ou penais a seus perpetradores; a reparação às vítimas; a modificação da legislação que estabelece foros especiais para o julgamento de fatos de morte, desaparecimento e tortura; a modificação dos programas de formação das forças militares e de segurança; e a inclusão de formas de educação em direitos humanos nos currículos escolares.
Obrigações positivas e obrigações negativas
É importante repetir que a objeção à aplicabilidade judicial dos direitos econômicos, sociais e culturais parte da consideração simplista de que esses direitos estabelecem exclusivamente obrigações positivas, idéia que, como vimos, está longe de ser correta.20 Tanto os direitos civis e políticos quanto os econômicos, sociais e culturais constituem um complexo de obrigações positivas e negativas. Mas convém aprofundar essa noção, pois de seu aperfeiçoamento dependem a extensão e o alcance da exigibilidade de ambos os tipos de direitos.
No que se refere às obrigações negativas, trata-se das obrigações de se abster de realizar certa atividade por parte do Estado. Por exemplo: não impedir a expressão ou a difusão de idéias; não violar a correspondência; não deter pessoas arbitrariamente; não impedir a filiação de uma pessoa a um sindicato; não intervir em caso de greve; não piorar o estado de saúde da população; não impedir uma pessoa de ter acesso à educação.
Quanto às obrigações positivas, convém estabelecer algumas distinções que nos darão a pauta do tipo de medidas que se pode exigir do Estado. Com certo automatismo, costuma-se vincular diretamente as obrigações positivas do Estado à obrigação de dispor de fundos. Não há dúvida de que se trata de um dos modos mais característicos de cumprir as obrigações de fazer ou de dar, em especial ao se falar em saúde, educação e acesso à moradia. No entanto, as obrigações positivas não se esgotam em ações que se resumem a dispor de reservas orçamentárias para oferecer uma prestação de serviços. As obrigações de fornecer serviços podem caracterizar-se pelo estabelecimento de uma relação direta entre o Estado e o beneficiário da prestação. Mas é possível, para o Estado, assegurar o gozo de um direito por meios diferentes, com a participação ativa de outros sujeitos obrigados.
1. Certos direitos se caracterizam pela obrigação do Estado de estabelecer algum tipo de regulamentação, sem a qual o exercício de um direito não tem sentido.21 Nesses casos, a obrigação do Estado nem sempre está vinculada à transferência de fundos ao beneficiário da prestação, mas precisamente ao estabelecimento de normas que concedam relevância a uma situação determinada ou à organização de uma estrutura que se encarregue de pôr em prática certa atividade. Se quisermos dar um conteúdo operacional, o direito a asso-ciar-se livremente implica a obrigação estatal de dar relevância ou reconhecimento jurídico à associação que resultar do exercício desse direito. Da mesma forma, o direito de constituir um sindicato ou de se afiliar a um sindicato implica o direito a outorgar conseqüências jurídicas relevantes a sua atuação. O direito político de eleger pressupõe a possibilidade de eleger entre diferentes candidatos, o que por sua vez implica uma regulamentação que assegure a possibilidade de vários candidatos representarem partidos políticos e se candidatarem às eleições. O direito à informação implica ao menos o estabelecimento de uma legislação estatal, tendente a assegurar o acesso à informação de origem diversa e a pluralidade de vozes e opiniões. O direito ao casamento implica a existência de uma regulamentação jurídica que outorgue alguma eficiência ao fato de se contrair núpcias. O direito à proteção da família pressupõe a existência de normas jurídicas que confiram à existência de um grupo familiar algum tipo de consideração diferencial em relação a sua inexistência.
O gozo desses direitos implica um complexo de normas estabelecendo conseqüências jurídicas relevantes, resultantes da permissão original. Mais uma vez, podem ser novas normas permissivas (a possibilidade de uma associação celebrar contratos, ou de um casal registrar sua moradia como bem de família, para protegê-la de possíveis execuções etc.); proibições para o Estado (a impossibilidade de impor restrições arbitrárias ou discriminatórias no exercício dos direitos mencionados, ou a proibição de discriminar filhos nascidos fora do matrimônio); ou até de obrigações para o Estado (reconhecer os candidatos propostos pelos partidos políticos, ou os delegados sindicais).
2. Em outros casos, a obrigação exige que a regulamentação estabelecida pelo Estado limite ou restrinja os poderes dos cidadãos ou lhes imponha obrigações de algum tipo. As legislações vinculadas aos direitos trabalhistas e sindicais em geral compartilham essa característica, tal como as normas relativamente recentes que regem a defesa do consumidor e a proteção ao meio ambiente. Assim: o estabelecimento de um salário-mínimo; o princípio da equiparação salarial, que estabelece a igualdade de remuneração diante da igualdade de tarefas; a obrigatoriedade de descansos, jornada de trabalho limitada e férias pagas; a proteção contra demissão arbitrária; as garantias dos delegados sindicais para o cumprimento de sua gestão etc., teriam pouco sentido se fossem exigíveis ao Estado apenas quando ele atua como empregador. Nas economias de mercado, o conteúdo dessas obrigações estatais consiste em estabelecer uma regulamentação que se estenda aos empregadores privados. Situação equivalente é a das normas referentes a relações de consumo e a obrigações ambientais.
Há ainda casos em que a regulamentação estatal pode estabelecer limitações ou restrições à livre consignação de fatores econômicos por parte do mercado, de modo a promover ou favorecer o acesso de setores com menos recursos a direitos como a moradia. A regulamentação estatal das taxas de juros em matéria hipotecária e a regulamentação das locações para moradia familiar são exemplos desse tipo de medida. No entanto, tais restrições não se limitam ao campo econômico. O direito de retificação ou resposta é um bom exemplo: o Estado estabelece restrições a um meio jornalístico privado em favor de um cidadão que se sente afetado por uma informação inexata ou ofensiva.
3. Por último, o Estado pode cumprir sua obrigação fornecendo serviços à população, de forma exclusiva ou em modalidades de garantia mista que incluam, além de um aporte estatal, regulamentações que contemplem os cidadãos afetados por restrições, limitações ou obrigações. As medidas estatais de cumprimento das obrigações positivas podem assumir múltiplos aspectos: organização de um serviço público (por exemplo, o funcionamento dos tribunais, que assegura o direito à jurisdição; a previsão do cargo do defensor público, que assegura o direito de defesa em juízo aos que não podem pagar um advogado particular; ou a organização do sistema educacional público); oferta de programas de desenvolvimento e capacitação; estabelecimento de formas escalonadas público/privadas de cobertura (por exemplo, mediante a organização de formas privadas de aporte para a manutenção de obras sociais que cubram o direito à saúde das pessoas empregadas e de suas famílias, e o estabelecimento de um sistema pú