As conexões entre políticas de “direitos humanos” e de “desenvolvimento” têm sido muito discutidas recentemente. Um motivo para isso é que os direitos humanos e o direito dos direitos humanos têm um lugar mais proeminente nas políticas internacionais. Outro motivo é que as políticas de desenvolvimento oficiais passaram a se concentrar mais explicitamente na pobreza e em suas causas e, como resultado, aqueles que determinam estas políticas passaram a considerar as características relacionadas à pobreza (“quem a causa, quem tem responsabilidade por impedi-la?”), o que, por sua vez, levou alguns a uma “abordagem baseada em direitos” (rights-based approach). Um terceiro motivo é que, vindo da direção oposta, os ativistas de direitos humanos reconheceram que, tendo se concentrado por muitos anos principalmente nos direitos civis e políticos, precisam se engajar com o mesmo afinco em relação aos direitos sociais e econômicos para continuarem a ser relevantes. Isto os levou a entrar em contato com ativistas e profissionais de desenvolvimento que, freqüentemente, possuem uma experiência muito maior no trabalho próximo a pessoas de comunidades pobres.
Entretanto, construir laços não tem sido simples. Os ativistas e profissionais em ambos os lados têm orgulho de suas próprias tradições e de seus valores – e raramente estão familiarizados com aqueles do outro lado. Os profissionais de desenvolvimento freqüentemente sentem que o sistema altamente ordenado promovido pelos profissionais de direitos humanos com sua linguagem jurídica é evasivo e, às vezes, inadequado; enquanto os profissionais de direitos humanos têm ficado impacientes com a característica fundamentalmente pragmática daqueles que atuam na área do desenvolvimento.
Esta situação nos convida a refletir cuidadosamente sobre os pontos positivos e pontos negativos das abordagens baseadas em direitos e das abordagens que priorizam o desenvolvimento. O que se ganha por fundir uma tradição à outra – e o que se pode perder? Em particular, em qual abordagem seriam os mais pobres beneficiados ou prejudicados? Este trabalho examina, brevemente, algumas destas questões.
Críticas aos direitos
Em primeiro lugar, em que sentido as abordagens de direitos humanos e de desenvolvimento são diferentes? Ao contrário das teorias políticas e econômicas ou dos modelos de desenvolvimento e governança, que são pragmáticos, a abordagem de direitos humanos tem natureza sistêmica. É construída em torno de um corpo de princípios dos quais decorrem as políticas. A seguir, são indicados alguns dos pontos negativos e positivos, supostos e reais, da abordagem com base nos direitos.
A abordagem sistêmica implica que a estrutura de direitos humanos é mais transparente e ordenada que outras estruturas; é mais coerente, mais lógica. Não é a toa que os proponentes dos direitos humanos enfatizam o valor que dão à universalidade e à interdependência. O sistema que eles defendem é tão poderoso, não apenas por que tem uma aplicação ampla, mas por que os direitos são coerentes uns com outros (na maioria dos casos) e se apóiam mutuamente. A liberdade de expressão sustenta tanto a participação política quanto o acesso a direitos econômicos e sociais. O direito à saúde é relevante para a realização de muitos outros direitos, não apenas o direito à vida, e assim por diante. Entretanto, como conseqüência, os defensores dos direitos humanos não podem mudar de rumo com facilidade, não são flexíveis, não se engajam facilmente na realização de políticas em uma área (suprimento de água, por exemplo) sem considerar outras (educação, participação política). Encontram dificuldade em negociar, intercambiar. Nisto eles diferem de abordagens mais pragmáticas que mudam suas metodologias rapidamente, se essa mudança fizer sentido.
O fato de muitos ativistas de direitos humanos não estarem familiarizados com a história e as tradições de outras disciplinas também não ajuda a comunicação. Por exemplo, eles muitas vezes não sabem que os profissionais de desenvolvimento trabalharam por muitos anos até chegar às suas noções de participação e inclusão. Muitos acreditam que foram os pensadores da área de direitos humanos que inventaram e trouxeram essas idéias para os desenvolvimentistas. Esta falta de conhecimento – que, obviamente, é muitas vezes mútua – é um dos principais obstáculos a uma comunicação direta entre as disciplinas.
Infelizmente, mas não surpreendentemente, os defensores dos direitos humanos obtiveram como resultado uma reputação de elevada moralidade para julgar o desempenho de outros sem sujar as mãos no sujo negócio do desenvolvimento. Obtiveram ainda como resultado um relacionamento mais dificultoso com profissionais dedicados a outras disciplinas – economistas, especialistas em desenvolvimento, doutores, consultores de governança -, um relacionamento marcado por críticas que justificam a relutância de muitas instituições (ONGs, governos e organizações internacionais) a se dedicarem totalmente a uma abordagem baseada em direitos.
Quais são essas críticas, e são elas justificadas? Este artigo não pode discuti-las em detalhes, mas elas precisam ser trazidas à luz e examinadas, pois não seremos capazes de compreender onde a postura de direitos humanos pode ajudar ou quando precisa de ajuda, até que isso tenha sido feito. Temos espaço para listar alguns exemplos como ilustração.
Um deles é que os direitos humanos são “políticos”. Alega-se que os defensores dos direitos humanos são inerentemente críticos do governo, mais preocupados em culpar que em mudar. Esta é uma das faces da crítica de que “eles não vão sujar as mãos”, mencionada acima. Não acredito que esta alegação se mantenha. O papel de vigilante é vital, mesmo se for inconveniente. Além disso, cada vez mais organizações de direitos humanos estão se unindo a instituições governamentais em processos de reforma. É interessante que elas estão fazendo isso precisamente porque percebem que lamentar e culpar não basta para transformar o governo ou a sociedade. Em particular, onde instituições são de fato incompetentes ou disfuncionais, gritar com elas não ajuda. Entretanto, a crítica é problemática principalmente porque a falha de ser “política” pode ser igualmente atribuída às agências de desenvolvimento. Diz-se que elas interferem em outros países, visando ao seu próprio interesse nacional, ou a suas próprias convicções, e o fazem de forma irresponsável devido ao poder econômico que seus programas de ajuda lhes conferem.
Uma segunda crítica indica que os métodos de direitos humanos se concentram em indivíduos e nos direitos individuais e não nos deveres. Deixando de lado o direito ao desenvolvimento e outras tentativas de promover direitos coletivos, a crítica apresenta algum grau de verdade. O tratamento de macro-objetivos e de investimentos de longo prazo é um ponto positivo das abordagens econômica e de desenvolvimento. Elas podem ver amplos processos de mudança, e planejar através da ruptura e prejuízo de curto prazo no sentido do ganho em longo prazo.
Esta crítica está relacionada a duas outras feitas aos defensores dos direitos humanos: que eles só pensam no presente e só admitem progresso unidirecional. Esta abordagem, argumenta-se, &eac