· Revista Conectas – Assuntos

0
Rate this post

Introdução

A segunda Cúpula de Chefes de Estado, celebrada nos moldes da Assembléia Geral das Nações Unidas, aprovou em 16 de setembro de 2005 a criação de um “Conselho de Direitos Humanos” que se encarregará de “promover o respeito universal pela proteção de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais de todas as pessoas, sem distinções de nenhum tipo e de forma justa e equitativa”; estudar as situações de “infrações graves e sistemáticas” dos direitos humanos, assim como “fazer recomendações a respeito”; e promover “a coordenação eficaz e a incorporação dos direitos humanos à atividade geral do sistema das Nações Unidas”.1 

No entanto, a falta de acordo impediu que fossem mais esclarecidos o mandato, as modalidades, as funções, o tamanho, a composição, a qualidade de membro, os métodos de trabalho e os procedimentos do novo Conselho de Direitos Humanos. Os Chefes de Estado confiaram ao Presidente da Assembléia Geral a tarefa de continuar as negociações sobre todos esses aspectos.2  Tais negociações culminaram, pelo menos parcialmente, em 15 de março de 2006, com a adoção de uma importante resolução da Assembléia Geral, que estabelece o primeiro modelo processual do Conselho de Direitos Humanos3  sobre a base de um acordo acerca de parâmetros mínimos.

Entretanto, as negociações deverão prosseguir porque o Conselho de Direitos Humanos nasce sob o signo da provisionalidade. Dispõe-se agora de um ano para se decidir o que fazer com três questões-chave herdadas da Comissão de  Direitos Humanos. O sistema de relatores especiais, o procedimento de queixas individuais perante os mecanismos extraconvencionais de proteção, e o futuro da Subcomissão para a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos.4  Além disso, anuncia-se que a Assembléia Geral revisará o estatuto do Conselho de Direitos Humanos “aos cinco anos de sua criação”.5  

A qualidade de membro

Segundo a resolução finalmente adotada, o Conselho de Direitos Humanos terá sua sede em Genebra em substituição à Comissão de  Direitos Humanos.6  Diferentemente desta, constitui-se como órgão subsidiário da Assembléia Geral à qual informará anualmente, formulando recomendações a respeito da promoção e proteção dos direitos humanos.

Para além da ambigüidade da expressão “formular recomendações”, fica claro que estas se dirigirão unicamente à Assembléia Geral, o que leva a se lamentar a exclusão de toda relação direta entre o novo Conselho de Direitos Humanos e o Conselho de Segurança. Neste sentido, a própria resolução da Assembléia Geral é contraditória porque reconhece que existe uma estreita relação entre as violações massivas dos direitos humanos e a manutenção da paz e segurança internacionais.7 

Afastando-se das recomendações que lhe haviam sido formuladas pelo Grupo de alto nível sobre as ameaças, os desafios e a mudança,8  O Secretário Geral recomendou que a Comissão de  Direitos Humanos (53 Estados) fosse substituída por um novo Conselho de Direitos Humanos menor e de caráter permanente, cujos membros seriam eleitos por maioria de dois terços da Assembléia Geral.9  Desta maneira, a proposta do Secretário Geral se alinhou com as preferências manifestadas pelos Estados Unidos e por alguns de seus aliados.

Finalmente decidiu-se que o Conselho de Direitos Humanos estará composto por 47 Estados, respeitando-se uma distribuição geográfica equitativa.10  Serão eleitos por períodos de três anos em votação secreta11  e pela maioria dos membros da Assembléia Geral. Não haverá Estados permanentes no Conselho de Direitos Humanos, pois nenhum membro poderá optar pela reeleição imediata depois de dois períodos consecutivos.

Embora a participação no Conselho de Direitos Humanos passe a estar formalmente aberta a todos os Estados-membros das Nações Unidas, a dita resolução inova ao introduzir três mudanças que tentam impedir os problemas de politização excessiva na composição da antiga Comissão de Direitos Humanos. Entretanto, essas mudanças  parecem ter uma eficácia duvidosa.

Em primeiro lugar, ao escolher os membros do Conselho de Direitos Humanos “os Estados-membros deverão levar em conta a contribuição dos candidatos à promoção e proteção dos direitos humanos e às promessas e compromissos voluntários que tenham feito a respeito”.12  Esta cláusula está redigida em termos excessivamente ambíguos,13  pois é o resultado de uma longa negociação no curso da qual foram propostos critérios mais objetivos e definidos, como o de exigir dos Estados candidatos a ratificação dos sete tratados básicos de direitos humanos.

Em segundo lugar, prevê-se que a Assembléia Geral poderá suspender por maioria de dois terços todo membro do Conselho “que cometa violações graves e sistemáticas dos direitos humanos”.14  Embora a cláusula seja inovadora, sua eficácia prática será reduzida porque deixa-se a cargo de uma maioria qualificada da Assembléia Geral – muito difícil de conseguir – a determinação de que um Estado tenha ou não cometido violações sistemáticas dos direitos humanos. Seria preferível que esta determinação fosse confiada ao ditame de um especialista independente (relator especial por país), o que evitaria a ineludível politização que uma votação dessa natureza produzirá no seio da Assembléia Geral.

Em terceiro lugar, os membros do Conselho “deverão defender as mais altas exigências na promoção e proteção dos direitos humanos, cooperar plenamente com o Conselho e ser examinados com vistas ao mecanismo de exame periódico universal durante seu período como membro”.15  Na realidade esta cláusula é redundante pois impõe aos Estados-membros do Conselho de Direitos Humanos as mesmas obrigações de comportamento genéricas que já tinham todos os Estados pelo fato de serem Membros da Organização das Nações Unidas. Além disso, como se destaca mais adiante, o mecanismo de exame periódico corre o risco de se converter em puro exame retórico realizado entre pares (ou seja, entre os próprios Estados).

Embora houvesse a pretensão de que o Conselho de Direitos Humanos tivesse a categoria de órgão principal e permanente da Organização, com a mesma visibilidade política do Conselho de Segurança, do ECOSOC ou da Assembléia Geral, as extensas negociações levaram a rebaixar sua importância. Com efeito, já assinalamos que o Conselho de Direitos Humanos se configura como um órgão subsidiário da Assembléia Geral.16  Tampouco será permanente pois “se reunirá periodicamente ao longo do ano e celebrará no mínimo três períodos de sessões ordinárias por ano – incluindo um período de sessões principal –, com uma duração total não inferior a dez semanas”.17  Além disso, como já ocorria com a Comissão de  Direitos Humanos, o Conselho de Direitos Humanos poderá celebrar períodos extraordinários de sessões, nesta ocasião “por solicitação de um membro do Conselho, com o apoio de um terço dos membros”.18 &nbs